29 de Abril de 2022


Saiba quais as provas digitais cabíveis em processo trabalhista

Em um mundo conectado 24/7, o direito do trabalho também absorve transformações da realidade digital. Isso é bastante visível nas novas provas digitais aceitas pela Justiça do Trabalho, que acompanham as necessidades, tanto de empregadores quanto de empregados, de comprovar a veracidade dos fatos alegados.

As provas digitais são aquelas produzidas em registros nos sistemas de dados das empresas, ferramentas de geoprocessamento, dados publicados em redes sociais, aquelas encontradas por meio de biometria ou qualquer outro tipo de informação eletrônica armazenada em bancos de dados.

Como consequência, tornam-se possíveis provas como o registros de troca de e-mails, mensagens de WhatsApp e até mesmo áudios enviados e recebidos. “Essas podem ser provas em ações trabalhistas que comprovem a efetiva realização de horas extras, ou servem para confirmar que um trabalhador mentiu sobre um afastamento médico ou, na fase de execução, auxiliam na investigação sobre o patrimônio e a cadeia de responsabilidades”, esclarece a advogada do CBS, Thalita Ferreira Silva Avelar.

Antes que a situação chegue à Justiça do Trabalho, as empresas devem orientar seus funcionários para a chamada “etiqueta digital”. “O uso de redes sociais e celulares em excesso podem causar danos no ambiente de trabalho, normalmente em relação à produtividade. O mau uso das redes sociais pode, inclusive, configurar justa causa. Nesse sentido, é importante que as empresas orientem seus funcionários, de forma clara e objetiva, sobre o que pode ser configurado como um comportamento inadequado, especialmente quanto ao uso de redes sociais durante a jornada de trabalho”, alerta a advogada.

O treinamento é possível por meio de conversas, cartilhas e códigos de conduta. Veja as principais orientações aos funcionários com relação à “etiqueta digital”:

 

·                   Não use as redes sociais e o telefone celular em excesso durante o expediente

·                   Não utilize os computadores da empresa para acessar páginas de conteúdo de entretenimento ou qualquer outra finalidade pessoal

·                   Faça bom uso de suas redes sociais dentro e fora da empresa, evite postagens ofensivas, meios chulos, incitação à violência ou qualquer comportamento que ofenda a dignidade da pessoa, para que os valores e o Código de Ética da empresa sejam disseminados à sociedade, mormente o respeito e integridade no relacionamento interpessoal

·                   Não divulgue dados sigilosos e estratégicos da empresa nas redes sociais, nem em qualquer outra ocasião (como conversas com amigos e familiares)

 

As provas digitais são bem aceitas na Justiça do Trabalho?

 

Aos olhos da Justiça, percebe-se que a tendência é considerar as provas digitais uma forma de oferecer a retratação dos fatos com maior precisão. Para o promotor de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia, Fabrício Rabelo Patury, um dos maiores especialistas no tema no país, é fato que os dispositivos capturam dados a todo momento.  “Esses dados são armazenados em data centers de grandes empresas. Por isso, defendemos a construção de um novo modelo probatório no Direito, com busca de informações em fontes abertas, que demandam apenas conhecimento técnico para sua coleta, e fechadas, que requerem autorização prévia”.[1]

 

Na mesma linha, a Ministra Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Maria Cristina Peduzzi, afirma que “vivemos uma transformação tecnológica nunca vista, cuja velocidade das atualizações tem impacto em nossas vidas, incluindo as relações de trabalho”.  [2]

 

Mas é necessário capacitar os agentes do direito, como juízes e servidores, para obter e utilizar as provas digitais adequadamente, o que tem sido realizado em diversas instâncias. “A Justiça do Trabalho é o ramo do Judiciário mais preparado para a efetivação das provas digitais”, segundo o promotor Fabrício Rabelo Patury, ela incentiva o uso de informações tecnológicas e, inclusive, promove a capacitação de juízes e servidores na utilização das provas produzidas por meios digitais. [3]

 

“Com isso, é certo que atualmente há mais recursos para que se atenda ao Princípio da Primazia da Realidade, norteador da Justiça do Trabalho”, avalia a advogada.

 

Existe embasamento legal para as provas digitais?

 

A utilização das provas digitais tem como fundamento os artigos 369 e 370 do CPC. O art. 369 do CPC assente às partes o uso de todos os meios legais e moralmente legítimos, com a finalidade de comprovar a verdade dos fatos em que se funda o seu pedido ou defesa, capazes de influir eficazmente na convicção do juiz. Já o art. 370 do CPC determina que caberá ao juiz, de ofício ou a pedido da parte, determinar as provas necessárias para o julgamento do mérito.

 

No mesmo sentido, o artigo 765 da CLT estabelece que “os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas”.

O Promotor Fabrício Rabelo Patury destaca que “a tecnologia muda o meio em que o Judiciário trabalha e também afeta todas as inter-relações humanas, que usam dispositivos informáticos que capturam os hábitos de vida a todo instante. Na hora de reconstituir os fatos para tomar uma decisão judicial, temos de buscar nestes dispositivos e data centers as informações necessárias”.

As provas digitais podem ser usadas em caso de demissão?

As provas digitais são cada vez mais utilizadas em diferentes processos da Justiça do Trabalho. Veja alguns casos práticos que chegaram aos juízes:

Pedido de demissão

Nos autos do processo nº 0000438-25.2019.5.21.0010, a 2ª Turma do TRT21 aceitou o pedido de demissão de uma ex-empregada de um salão de beleza localizado em Natal, feito por meio do aplicativo de troca de mensagens WhatsApp. Nos referidos autos, a empregada afirmou que se viu obrigada a pedir demissão devido atraso no pagamento das obrigações trabalhistas, contudo, para o desembargador Ronaldo Medeiros de Souza, relator do processo, as conversas pelo WhatsApp em que a ex-empregada pede demissão “são incontestes”.

Justa causa

Os Desembargadores da 1ª Turma do TRT4 mantiveram a sentença de origem, que indeferiu o pedido de afastamento da despedida motivada e de reintegração ao emprego de uma empregada de uma fundação pública. No caso, a empregada apresentou atestado médico para justificar seu afastamento do trabalho. Entretanto, a reclamada apresentou prints da rede social da reclamante, que comprovaram que, no período em que estava afastada, a funcionária estava em uma festa. [4]

Já nos autos do processo 1001196-90.2016.5.02.0019, uma auxiliar financeira foi dispensada por justa causa por comentários depreciativos publicados contra o empregador em post no Facebook. A 17ª Turma do TRT2 entendeu que foi praticado ato lesivo da honra e da boa fama de seu superior hierárquico.

Nos autos do processo nº 0001703-74.2012.5.01.0039, a 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) confirmou a demissão por justa causa da funcionária que se ausentou por suposto problema de saúde, mas, a partir de fotos e comentários extraídos do Facebook, foi possível comprovar a falsidade do atestado apresentado, já que a reclamante estava, em verdade, participando da 16ª Maratona do Rio de Janeiro na data.

 

O Desembargador Relator do caso asseverou que “uma coisa é certa: a autora se encontrava em evento esportivo, conforme fotos apresentadas, certamente postadas pela própria na internet. Tais imagens convencem que ela estava bem disposta, e não doente com necessidade de 15 dias de afastamento. Entendo que, de fato, em função dos atestados médicos falsos houve quebra de confiança que justifica a justa causa”.

Má-fé

Nos autos do processo AIRR-2079-25.2010.5.02.0032, um operador de mesa ausentou-se de uma audiência na primeira instância, em ação que visava o reconhecimento de vínculo empregatício com a empresa. Para evitar a revelia, o funcionário apresentou atestado médico de dez dias de repouso domiciliar.

Por meio de prints extraídos do perfil pessoal do reclamante (Facebook), a empresa comprovou que, naquela data, ele estava em um parque turístico em Resende-RJ. A empresa ainda autenticou as provas por ata notarial, por meio da qual o tabelião acessa o endereço da página e verifica a veracidade das informações.

Diante disso, a 32ª Vara do Trabalho de São Paulo aplicou pena de confissão e multa por litigância de má-fé, mantida pelo TRT-SP e pelo TST.