09 de Dezembro de 2020
Artigo – Folha de S. Paulo - Cassação de concessões apaga a luz no fim do túnel
A crise energética no Amapá é um desastre. Mas a situação pode
piorar. Isso porque a discussão sobre a necessária fiscalização dos contratos e
do trabalho das concessionárias de energia tem, de forma distorcida,
fortalecido a infeliz ideia da “cassação de
concessões”, causando espanto e insegurança entre os investidores
—inclusive os estrangeiros que ainda têm coragem de empreender por meio das
concessões públicas brasileiras.
São premissas básicas para o desenvolvimento das sociedades sob um Estado de Direito a estabilidade das instituições, a igualdade de todos perante a lei, a supremacia das leis e o devido processo legal, com contraditório e ampla defesa. No Brasil, no entanto, tem sido necessário bradá-las cada vez com mais força para se fazer ouvir.
O próximo
ano será marcado por dezenas de licitações que podem melhorar
o nível da infraestrutura nacional. Para o país sair ganhando, é preciso
mostrar ao mundo, desde já, que cumprimos os contratos e nossas próprias leis.
Se as concorrências fossem hoje, possivelmente os resultados seriam desastrosos
porque os cálculos de empreendedores globais não são só econômicos, são também
políticos e jurídicos. Eles consideram, inclusive, o modo como os líderes da
nação entendem a legislação e como ela é aplicada pelos tribunais.
O “risco Brasil” tem sido continuamente engrossado pela
complexidade do sistema tributário e pelo anacronismo da legislação e da
Justiça do Trabalho —que continuam protecionistas, embora melhores depois das
recentes reformas e do balizamento feito pelo Supremo Tribunal Federal.
Reforçam esse quadro a imprevisibilidade de algumas decisões judiciais que
desconsideram os avanços do sistema de precedentes vinculantes do novo Código
de Processo Civil. Comportamentos populistas ilegais de alguns políticos e do
próprio Judiciário, como as ameaças de “cassação” de concessões, só pioram o
quadro.
A incerteza jurídica aumenta o risco e, por consequência,
o custo dos
investimentos, fazendo com que menos agentes globais se interessem pelo
Brasil, que passa a ser uma praça com menos competição e dinamismo. Os preços,
nessa situação, tendem a subir para tentar atrair investimentos e, assim,
consumidores finais são os principais prejudicados. No caso da energia, são,
praticamente, 100% dos brasileiros.
A crise energética do Amapá não
pode resultar na quebra de contratos legítimos para atender as necessidades
políticas dos gestores e juízes de plantão. Se os serviços são ineficientes, a
solução está no contrato e na lei, que fixam os motivos que podem até provocar
a rescisão.
A intervenção do poder público
deveria apenas assegurar a adequação e o cumprimento das leis, jamais impor uma
“cassação” autoritária e sem amparo legal. O Brasil precisa aumentar sua
segurança jurídica, melhorar sua posição na economia global e, assim, superar a
crise econômica. Temas dessa natureza só se resolvem dentro da lei, não por
“jeitinho” ou conveniência.
Francisco Caputo
Advogado, é conselheiro federal da OAB, integrante
do Conselho da República e ex-presidente da OAB-DF
Gustavo Caputo Bastos
Advogado, é especialista em processo civil, contencioso cível e direito empresarial